29 novembro 2010

HISTOLOGIA


Histologia

A Histologia é o estudo da estrutura do material biológico e das maneiras como os seus componentes se inter-relacionam, tanto estrutural quanto funcionalmente.
O estudo da histologia se iniciou com o desenvolvimento de microscópios simples e de técnicas para preparo de material biológico, tornando-o adequado para exame.
Os primeiros histologistas descobriram muito sobre a estrutura do material biológico, estabelecendo a teoria celular da estrutura dos organismos vivos, onde a célula é a unidade básica da arquitetura da maioria dos materiais biológicos.
O conjunto de células com características morfológicas semelhantes foram descritas como tecido, tendo sido estes divididos em quatro tipos:
· tecido epitelial, formado por células que revestem superfícies, cavidades corporais ou formam glândulas;
· tecido conjuntivo, constituído por células e abundante matriz extracelular, com a função de preenchimento ou sustentação;
· tecido muscular, constituído por células com propriedades contráteis;
· tecido nervoso, constituído por células que formam o cérebro, medula nervosa e nervos.

Atualmente, a histologia relaciona-se com outros campos da ciência, como a bioquímica, biologia molecular e a fisiologia, fornecendo a base para a compreensão dos processos patológicos e suas causas.
A célula varia consideravelmente. De um único ovo fertilizado, cada célula desenvolve atributos estruturais para adequar suas funções pelo processo de diferenciação. Esta plasticidade celular é evidente, mesmo no adulto, onde elas podem modificar tanto sua estrutura como sua funcionalidade para se adaptar a determinadas condições ambientais.
Os tecidos são arranjos celulares funcionais, constituindo os órgãos e os sistemas. Um órgão é uma organização de diferente de tecidos geralmente de vários tipos, realizando funções específicas. O termo sistema pode ser utilizado para descrever células com funções semelhantes, mas amplamente distribuídas em diversos sítios anatômicos, por exemplo, as células do sistema imune; ou referir-se a um grupo de órgãos com papéis funcionais semelhantes, ou relacionados, como por exemplo, os rins, a pelve, ureteres e bexiga são parte do sistema urinário.
· Sistema cardiovascular
· Sistema respiratório
· Sistema digestivo
· Sistema urinário
· Sistema endócrino
· Sistema reprodutor feminino
· Sistema reprodutor masculino
· Sistema tegumentar
· Órgãos dos sentidos
· Sistema imune


UM BREVE HISTÓRICO

A Medicina Romana
O
receituário primitivo dos romanos fez largo uso de ervas (a medicina era uma verdadeira scientia herbarum) de mistura de inúmeras práticas e fórmulas supersticiosas.
O
ensino da Medicina. - Os conhecimentos médicos dos egípcios conservaram, na época romana, seu milenar prestígio. Alexandria era grande centro de medicina e os que lá haviam estudado gozavam de prestígio. Na cidade fundada por Alexandre estudava-se Anatomia por meio de dissecação de cadáveres. Tertuliano e S. Agostinho, apoiados no testemunho de Celso, acusaram a escola de Alexandria de prática de vivisseção em criaturas humanas.
E
m Roma, entre os professores de medicina dignos de nota, figura o grego Asclepíades, que fundou, na capital, uma escola de medicina. Asclepíades criticava os que, baseados em Hipócrates, confiavam na "vis medicatrix nature" (força curativa da natureza), e acentuava a necessidade de medidas atuantes para que o processo curativo se desenvolvesse cito, tuto, iucunde (com rapidez, com segurança e favoravelmente). As escolas eram constituídas, primitivamente, pelo mestre, e os discípulos que o cercavam e o acompanhavam nas visitas aos enfermos. Os imperadores foram, cada vez mais, demonstrando interesse pelos ensinos médicos e fizeram construir salas especiais (auditoria).
O
conhecimento anatômico do corpo humano data de quinhentos anos antes de Cristo no sul da Itália com Alcméon de Crotona, que realizou dissecações em animais. Pouco tempo depois, um texto clínico da escola hipocrática descobriu a anatomia do ombro conforme havia sido estudada com a dissecação. Aristóteles mencionou as ilustrações anatômicas quando se referiu aos paradigmas, que provavelmente eram figuras baseadas na dissecação animal. No século III A.C., o estudo da anatomia avançou consideravelmente na Alexandria. Muitas descobertas lá realizadas podem ser atribuídas a Herófilo e Erasístrato, os primeiros que realizaram dissecações humanas de modo sistemático. A partir do ano 150 A..C. a dissecação humana foi de novo proibida por razões éticas e religiosas. O conhecimento anatômico sobre o corpo humano continuou no mundo helenístico, porém só se conhecia através das dissecações em animais. No século II D.C., Galeno dissecou quase tudo, macacos e porcos, aplicando depois os resultados obtidos na anatomia humana, quase sempre corretamente; contudo, alguns erros foram inevitáveis devido à impossibilidade de confirmar os achados em cadáveres humanos. Galeno desenvolveu assim mesmo a doutrina da "causa final", um sistema teológico que requeria que todos os achados confirmassem a fisiologia tal e qual ele a compreendia.
P
orém não chegaram até nós as ilustrações anatômicas do período clássico, sendo as "séries de cinco figuras" medievais dos ossos, veias, artérias, órgãos internos e nervos são provavelmente cópias de desenhos anteriores. Invariavelmente, as figuras são representadas numa posição semelhante a de uma rã aberta, para demonstrar os diversos sistemas, às vezes, se agrega uma sexta figura que representa uma mulher grávida e órgãos sexuais masculinos ou femininos. Nos antigos baixos-relevos, camafeus e bronzes aparecem muitas vezes representações de esqueletos e corpos encolhidos cobertos com a pele (chamados lêmures), de caráter mágico ou simbólico mais que esquemático e sem finalidade didática alguma.
P
arece que o estudo da anatomia humana recomeçou mais por razões práticas que intelectuais. A guerra não era um assunto local e se fez necessário dispor de meios para repatriar os corpos dos mortos em combate. O embalsamento era suficiente para trajetos curtos, mas as distâncias maiores como as Cruzadas introduziram a prática de "cocção dos ossos". A bula pontifica De sepulturis de Bonifácio VIII (1300), que alguns historiadores acreditaram equivocadamente proibir a dissecção humana, tentava abolir esta prática. O motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a causa da morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o que havia matado uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa.
O
verbo "dissecar" era usado também para descrever a operação cesariana cada vez mais freqüente. A tradição manuscrita do período medieval não se baseou no mundo natural. As ilustrações anteriores eram aceitas e copiadas. E m geral, a capacidade dos escritores era limitada e ao examinar a realidade natural, introduziram pelo menos alguns erros, tanto de conceito como de técnica. As coisas "eram vistas" tal qual os antigos e as ilustrações realistas eram consideradas como um curto-circuito do próprio método de estudo.
A
anatomia não era uma disciplina independente, mas um auxiliar da cirurgia, que nessa época era relativamente grosseira e reunia sobre todo conhecer os pontos apropriados para a sangria. Durante todo o tempo que a anatomia ostentou essa qualidade oposta à prática, as figuras não-realistas e esquemáticas foram suficientes.
O
primeiro livro ilustrado com imagens impressas mais do que pintadas foi a obra de Ulrich Boner Der Edelstein. Foi publicada por Albrecht Plister em Banberg depois de 1460 e suas ilustrações foram algo mais que decorações vulgares. Em 1475, Konrad Megenberg publicou seu Buch der Natur, que incluía várias gravuras em madeira representando peixes, pássaros e outros animais, assim como plantas diversas. Essas figuras, igual a muitas outras pertencentes a livros sobre a natureza e enciclopédias desse período, estão dentro da tradição manuscrita e são dificilmente identificáveis.
D
entre os muitos fatores que contribuíram para o desenvolvimento da técnica ilustrativa no começo do século XVI, dois ocuparam lugar destacado: o primeiro foi o final da tradição manuscrita consistente em copiar os antigos desenhos e a conversão da natureza em modelo primário. Chegou-se ao convencimento de que o mais apropriado para o homem era o mundo natural e não a posteridade. O escolasticismo de São Tomás de Aquino havia preparado inadvertidamente o caminho através da separação entre o mundo natural e o sobrenatural, prevalecendo a teologia sobre a ciência natural. O segundo fator que influiu no desenvolvimento da ilustração científica para o ensino foi a lenta instauração de melhores técnicas. No começo os editores, com um critério puramente quantitativo, pensaram que com a imprensa poderiam fazer grande quantidade de reproduções de modo fácil e barato. Só mais tarde reconheceram a importância que cada ilustração fosse idêntica ao original. A capacidade para repetir exatamente reproduções pictóricas, daquilo que se observava, constituiu a característica distinta de várias disciplinas científicas, que descartaram seu apoio anterior à tradição e aceitação de uma metodologia, que foi descritiva no princípio e experimental mais tarde.
A
s primeiras ilustrações anatômicas impressas baseiam-se na tradição manuscrita medieval. O Fasciculus medicinae era uma coleção de textos de autores contemporâneos destinada aos médicos práticos, que alcançou muitas edições. Na primeira (1491) utilizou-se a xilografia pela primeira vez, para figuras anatômicas. As ilustrações representam corpos humanos mostrando os pontos de sangria, e linhas que unem a figura às explicações impressas nas margens. As dissecações foram desenhadas de uma forma primitiva e pouco realista.
N
a Segunda edição (1493), as posições das figuras são mais naturais. Os textos de Hieronymous Brunschwig (cerca de 1450-1512) continuaram utilizando ilustrações descritivas. O capítulo final de uma obra de Johannes Peyligk (1474-1522) consiste numa breve anatomia do corpo humano como um todo, mas as onze gravuras de madeira que inclui são algo mais que representações esquemáticas posteriores dos árabes. Na Margarita philosophica de George Reisch (1467-1525), que é uma enciclopédia de todas as ciências, forma colocadas algumas inovações nas tradicionais gravuras em madeira e as vísceras abdominais são representadas de modo realista.
A
lém desses textos anatômicos destinados especificamente aos estudantes de medicina e aos médicos, foram impressas muitas outras páginas com figuras anatômicas, intituladas não em latim (como todas as obras para médicos), mas sim em várias línguas vulgares. Houve um grande interesse, por exemplo, na concepção e na formação do feto humano. O uso freqüente da frase "conhece-te a ti mesmo" fala da orientação filosófica e essencialmente não médica. A "Dança da Morte" chegou a ser um tema muito popular, sobretudo nos países de língua germânica, após a Peste Negra e surpreendentemente, as representações dos esqueletos e da anatomia humana dos artistas que as desenharam são melhores que as dos anatomistas.
O
s artistas renascentistas do século XV se interessavam cada vez mais pelas formas humanas, e o estudo da anatomia fez parte necessária da formação dos artistas jovens, sobretudo no norte da Itália.
L
eonardo da Vinci (1452-1519) foi o primeiro artista que considerou a anatomia além do ponto de vista meramente pictórico. Fez preparações que logo desenhou, das quais são conservadas mais de 750, e representam o esqueleto, os músculos, os nervos e os vasos. As ilustrações foram completadas muitas vezes com anotações do tipo fisiológico. A precisão de Leonardo é maior que a de Vesalio e sua beleza artística permanece inalterada. Sua valorização correta da curvatura da coluna vertebral ficou esquecida durante mais de cem anos. Representou corretamente a posição do fetus in utero e foi o primeiro a assinalar algumas estruturas anatômicas conhecidas. Só uns poucos contemporâneos viram seus folhetos que, sem dúvida, não foram publicados até o final do século passado.
M
ichelangelo Buonarotti (1475-1564) passou pelo menos vinte anos adquirindo conhecimentos anatômicos através das dissecações que praticava pessoalmente, sobretudo no convento de Santo Espírito de Florença. Posteriormente expôs a evolução a que esteve sujeito, ao considerar a anatomia pouco útil para o artista até pensar que encerrava um interesse por si mesma, ainda que sempre subordinada à arte.
A
lbrecht Dürer (1471-1528) escreveu obras de matemática, destilação, hidráulica e anatomia. Seu tratado sobre as proporções do corpo humano foi publicado após sua morte. Sua preocupação pela anatomia humana era inteiramente estética, derivando em último extremo um interesse pelos cânones clássicos, através dos quais podia adquirir-se a beleza.
C
om a importante exceção de Leonardo, cujos desenhos não estiveram ao alcance dos anatomistas do século XVII, o artista do Renascimento era anatomista só de maneira secundária. Ainda foram feitas importantes contribuições na representação realista da forma humana (como o uso da perspectiva e do sombreado para sugerir profundidade e tridimensionalidade), e os verdadeiros avanços científicos exigiam a colaboração de anatomistas profissionais e de artistas. Quando os anatomistas puderam representar de modo realista os conhecimentos anatômicos corretos, se iniciou em toda Europa um período de intensa investigação, sobretudo no norte da Itália e no sul da Alemanha. O melhor representante deste grupo é Jacob Berengario da Capri (+1530), autor dos Commentaria super anatomica mundini (1521), que contém as primeiras ilustrações anatômicas tomadas do natural. Em 1536, Cratander publicou em Basiléia uma edição das obras de Galeno, que incluía figuras, especialmente de osteologia, feitas de um modo muito realista. A partir de uma data tão cedo como 1532, Charles Estienne preparou em Paris uma obra em que ressaltava a completa representação pictórica do corpo humano.
 


VESÁLIO
U
ma das primeiras e mais acertada solução para uma reprodução perfeita das representações gráficas foi encontrada nas ilustrações publicadas nos tratados anatômicos de Andrés Vesálio (1514-1564), que culminou com seu De humanis corpori, fabricada em 1453, um dos livros mais importantes da história do homem.
V
esálio nasceu em Bruxelas, em 1514, no seio de uma família muito relacionada com a casa de Borgonha e a corte do Imperador da Alemanha. Sua primeira formação médica foi na Universidade de Paris (onde esteve com mestres como Jacques du Bois e Guinter de Andernach), e foi interrompida pela guerra entre França e o Sacro Império Romano. Vesálio completou seus estudos na renomada escola médica de Pádua, no norte da Itália. Após seu término, começou a estudar cirurgia e anatomia. Após alguns trabalhos preliminares, em 1543, com a idade de 28 anos, publicou seu opus magnun, que revolucionou não só a anatomia como também o ensino científico em geral. As ilustrações da Fabrica destacam-se precisamente pela sua estreita relação com o texto, já que ajudam no entendimento do que este expressa com dificuldade. Supera a pauta expositiva usada por Mondino, e cada um dos sistemas principais (ossos, músculos, vasos sangüíneos, nervos e órgãos internos) é representado e estudado separadamente. As partes de cada sistema orgânico são expostas tanto em conjunto como individualmente e mesmo assim são consideradas todas as relações entre essas estruturas. Vesálio comprovou também que não são iguais em todos os indivíduos. Relatou sua surpresa ao encontrar inúmeros erros nas obras de Galeno, e temos que ressaltar a importância de sua negativa em aceitar algo só por tê-lo encontrado nos escritos do grande médico grego. Sem dúvida, apesar de ter desmentido a existência dos orifícios que Galeno afirmava existir comunicando as cavidades cardíacas, foi de todas as maneiras um seguidor da fisiologia galênica. Foram engrandecidas as diferenças que separavam seu conhecimento anatômico do de Galeno, começando pelo próprio Vesálio. Talvez pensasse que uma polêmica era um modo de chamar atenção. Manteve depois uma disputa acirrada com seu mestre Jacques du Bois (ou Sylvius, na forma latina), que foi um convencido galenista cuja única resposta, ante as diferenças entre algumas estruturas tal como eram vistas por Vesálio e como as havia descrito Galeno, foi que a humanidade devia tê-lo mudado durante esses dois séculos. Vesálio tinha atribuído o traçado das primeiras figuras a um certo Fleming, mas na Fabrica não confiou em ninguém, e a identidade do artista ou artistas que colaboraram na sua obra tem sido objeto de grande controvérsia, que se acentuou ante a questão de quem é mais importante, se o artista ou o anatomista. Essa última foi uma discussão não pertinente, já que é óbvio que as ilustrações são importantes precisamente porque juntam uma combinação de arte e ciência, uma colaboração entre o artista e o anatomista. As figuras da Fabrica implicam em tantos conhecimentos anatômicos que forçosamente Vesálio devia participar na preparação dos desenhos, ainda que o grau de refinamento e do conhecimento de técnicas novas de desenho, também para os artistas do Renascimento, excluem também que fora o único responsável. Até hoje é discutido se Jan Stephan van Calcar (1499-1456/50), que fez as primeiras figuras e trabalhou no estúdio de Ticiano na vizinha Veneza, era o artista. De qualquer maneira, havia-se encontrado uma solução na busca de uma expressão pictórica adequada aos fenômenos naturais.
N
o século XVII foram efetuadas notáveis descobertas no campo da anatomia e da fisiologia humana. Francis Glisson (1597-1677) descreveu em detalhes o fígado, o estômago e o intestino. Apesar de seus pontos de vista sobre a biologia serem basicamente aristotélicos, teve também concepções modernas, como a que se refere aos impulsos nervosos responsáveis pelo esvaziamento da vesícula biliar.
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homas Wharton (1614-1673) deu um grande passo ao ultrapassar a velha e comum idéia de que o cérebro era uma glândula que secretava muco (sem dúvida, continuou acreditando que as lágrimas se originavam ali). Wharton descreveu as características diferenciais das glândulas digestivas, linfáticas e sexuais. O conduto de evacuação da glândula salivar submandibular conhece-se como conduto de Wharton. Uma importante contribuição foi distinguir entre glândulas de secreção interna (chamadas hoje endócrinas), cujo produto cai no sangue, e as glândulas de secreção externa (exócrinas), que descarregam nas cavidades.
N
iels Steenson, em 1611, estabeleceu a diferença entre esse tipo de glândula e os nódulos linfáticos (que recebiam o nome de glândula apesar de não fazer parte do sistema). Considerava que as lágrimas provinham do cérebro. A nova concepção dos sistemas de transporte do organismo que se obteve graças às contribuições de muitos investigadores ajudou a resolver os erros da fisiologia galênica referentes à produção de sangue.
G
asparo Aselli (1581-1626) descobriu que após a ingestão abundante de comida o peritônio e o intestino de um cachorro se cobriam de umas fibras brancas que, ao serem seccionadas, extravasavam um líquido esbranquiçado. Tratava-se dos capilares quilíferos. Até a época de Harvey se pensava que a respiração estimulava o coração para produzir espíritos vitais no ventrículo direito. Harvey, porém, demonstrou que o sangue nos pulmões mudava de venoso para arterial, mas desconhecia as bases desta transformação. A explicação da função respiratória levou muitos anos, mas durante o século XVII foram dados passos importantes para seu esclarecimento.
R
obert Hook (1635-1703) demonstrou que um animal podia sobreviver também sem movimento pulmonar se inflássemos ar nos pulmões.
R
ichard Lower (1631-1691) foi o primeiro a realizar transfusão direta de sangue, demonstrando a diferença de cor entre o sangue arterial e o venoso, a qual se devia ao constato com o ar dos pulmões.
J
ohn Mayow (1640-1679) afirmou que a vermelhidão do sangue venoso se devia à extração de alguma substância do ar. Chegou à conclusão de que o processo respiratório não era mais que um intercâmbio de gases do ar e do sangue; este cedia o espírito nitroaéreo e ganhava os vapores produzidos pelo sangue.
E
m 1664 Thomas Willis (1621-1675) publicou De Anatomi Cerebri (ilustrado por Christopher Wren e Richard Lower), sem dúvida o compêndio mais detalhado sobre o sistema nervoso. Seus estudos anatômicos ligaram seu nome ao círculo das artérias da base do cérebro, ao décimo primeiro par craniano e também a um determinado tipo de surdez. Contudo, sua obsessão em localizar no nível anatômico os processos mentais o fez chegar a conclusões equívocas; entre elas, que o cérebro controlava os movimentos do coração, pulmões, estômago e intestinos e que o corpo caloso era assunto da imaginação.

O
centro principal da cultura científica é Alexandria - como Atenas foi o grande centro da especulação filosófica. Em Alexandria congregavam-se, e daí partiam cientistas de todo o mundo civilizado, atingindo esta cidade seu maior esplendor nos séculos III e II a.C. (Euclides, Arquimedes, Hiparco) e no II século d.C. (Ptolomeu). Em Alexandria havia o famoso Museu, rico de recursos científicos - bibliotecas, observatórios, gabinetes, jardins botânicos, jardins zoológicos, salas anatômicas, etc. - e que teve uma longa e gloriosa vida desde o III século a.C. até o IV século d.C.
As ciências naturais propriamente ditas, já cultivadas por Aristóteles (zoologia) e Teofrasto (botânica), tiveram incremento na idade helenista. Primeiro, por meio das expedições militares de Alexandre, as quais levaram ao conhecimento da flora e da fauna das regiões novas, depois pelas grandes coleções do Museu de Alexandria, dotada de jardins botânicos e zoológicos, como acima já dissemos. As ciências naturais progrediram entretanto na idade helenista particularmente como ciências auxiliares da medicina - anatomia e fisiologia - que, por sua vez, nesta época fez grandes progressos.
Ao lado da antiga escola de Hipócrates, a qual explicava o organismo animal mediante a relação dos quatro humores fundamentais e é chamada escola dos dogmáticos, afirmam-se no século III a.C. em Alexandria outras escolas, firmadas em princípios diferentes. Temos, por exemplo, a escola que tenta explicar os fenômenos da vida pelas quatro forças fundamentais; esta escola fez descobertas importantes sobre a circulação do sangue e sobre o sistema nervoso. Mais importante é a escola médica chamada empírica que, em oposição à orientação teórica e especulativa das escolas precedentes, afirma o valor da experiência direta, da observação dos sintomas do mal e do efeito dos remédios. Foi, inversamente, eclético com tendências dogmáticas e hipocráticas Cláudio Galeno (131-210 d.C.), o maior médico da Antigüidade. Natural de Pérgamo, viveu longamente em Roma na qualidade de médico imperial e deixou numerosos escritos, que dominaram a cultura médica européia até além da Idade Média. Tenta ele sintetizar a doutrina hipocrática dos quatro humores com a física aristotélica dos quatro elementos e das quatro qualidades fundamentais da matéria - o calor, o frio, a secura, a umidade. Alicerça a medicina na fisiologia e na anatomia; afirma uma fisiologia teleológica, finalista, para explicar a formação e o funcionamento dos órgãos; reconhece a vis medicatrix como fator essencial da terapia, não podendo o médico fazer outra coisa senão auxiliar esta força medicatrix. Tendo Galeno procurado coligar os fatos particulares observados no mundo biológico aos princípios da física e da metafísica, segue-se que foi também um filósofo. A sua filosofia é uma síntese do platonismo, estoicismo e, sobretudo, aristotelismo.



CAMINHOS DA MEDICINA - A NEUROLOGIA NA ESCOLA DE ALEXANDRIA
No período pós-hipocrático, o centro médico de maior representatividade na história da humanidade foi, sem dúvida, Alexandria. O local da cidade fora escolhido por Alexandre Magno, no braço mais ocidental do delta do rio Nilo, no ano de 323 a.C., no mesmo ano em que o grande conquistador morreu de malária aos 33 anos de idade. Com a morte de Alexandre, o Império por ele constituído foi dividido entre os seus generais, ficando o reino do Egito com Ptolomeu I. A cidade foi construída segundo projeto de um grande arquiteto da época, com ruas bem traçadas, perpendiculares umas às outras, e destinava-se a ser a capital do reino e a receber os restos mortais de Alexandre. Alexandria teve um grande desenvolvimento como centro comercial, político, cultural e científico. Ptolomeu I e seu filho e sucessor, Ptolomeu II, deram grande impulso às ciências, artes e letras, atraindo para Alexandria grandes sábios, filósofos, matemáticos, físicos, médicos, artistas, músicos e poetas. Ptolomeu I fundou o Museu de Alexandria, que representou na civilização helenística, o mesmo papel de uma grande
universidade. Nele havia um observatório astronômico, jardim botânico, jardim zoológico, laboratórios, salas para dissecção, salões de leitura e uma grande biblioteca, a maior já organizada até então, com mais de 500.000 volumes (rolos), abrangendo todo o conhecimento da época. Ali se encontravam cópias de todos os textos escritos pelos filósofos e pelos médicos gregos. Neste ambiente, como não poderia deixar de ser, Alexandria tornou-se um importante centro médico para onde se dirigiam os
que desejavam aprender a arte médica ou nela aperfeiçoar-se. Na escola médica de Alexandria foram realizadas pela primeira vez dissecções públicas de corpos humanos, as quais foram posteriormente proibidas e só foram retomadas mil anos depois. Dentre todos os médicos que ali se destacaram, dois nomes devem ser lembrados por seu desempenho e sua significativa
contribuição ao conhecimento do sistema nervoso. São eles, Heróphilo de Calcedônia (aprox. 300 a.C.) e Erasístrato de Chios (aprox. 290 a.C.). O primeiro deles filiava-se à escola de Cós e dedicou-se principalmente a estudos anatômicos; o segundo era discípulo da escola de Cnidos e preocupou-se antes com a função dos órgãos, sendo por isso considerado o pai da fisiologia. Os textos originais de Heróphilo e de Erasístrato se perderam e o que hoje sabemos de suas descobertas se deve
a relatos de outros autores, especialmente de Galeno. Heróphilo, ao contrário de Aristóteles, considerou o cérebro como a sede da inteligência, em lugar do coração. Descreveu a anatomia do cérebro e do cerebelo, os ventrículos, tendo valorizado a importância destas cavidades do interior do cérebro. No assoalho do quarto ventrículo descreveu o que ele comparou com a forma das penas usadas para escrever em Alexandria e que recebeu em latim a denominação de calamus scriptorius. Descreveu as meninges, às quais chamou de chorioid pela semelhança com a membrana que envolve o feto. Deve-se a ele, igualmente, a descrição da rete mirabilis, que teria sido encontrada no cérebro de carneiro. A estrutura do olho tornou-se melhor conhecida após suas dissecções e estudos sobre a anatomia do globo ocular e sua inervação. Reconheceu que eram os nervos e não as artérias que produziam os movimentos voluntários e estabeleceu a diferença entre os nervos motores e sensitivos, embora ainda reinasse certa confusão entre nervos motores e tendões.
Fora do sistema nervoso, a contribuição de Heróphilo para conhecimento da anatomia humana foi considerável, pois, segundo o depoimento de Tertuliano, Heróphilo teria dissecado cerca de 600 corpos.
Erasístrato preocupava-se com as funções dos diferentes órgãos e aparelhos, porém também realizou dissecções e estudos anatômicos. Rejeitava todas as interferências ocultas ou sobrenaturais na gênese das doenças e procurava explicá-las por causas naturais. Não compartilhava da teoria dos quatro humores da escola hipocrática e considerava como elementos
essenciais à vida apenas o sangue e dois tipos de pneuma. Segundo sua teoria, o ar inspirado era levado ao coração, onde se transformava em uma espécie peculiar de pneuma – o espírito vital, o qual era conduzido pelas artérias até ao cérebro onde se transformava em um segundo tipo de pneuma – o espírito animal, que retornava pelos nervos a todo o corpo. Esta teoria foi posteriormente desenvolvida por Galeno. Em relação ao sistema nervoso, comparou o cérebro humano com o dos animais, verificando que a superfície cerebral no homem apresenta maior complexidade e maior número de circunvoluções, o que explicaria a superioridade da inteligência humana sobre a dos animais. Com maior segurança do que Heróphilo, separou os nervos motores dos nervos sensitivos e descreveu o trajeto dos nervos dos órgãos dos sentidos. Tanto Heróphilo quanto Erasístrato foram acusados por Celsus e por Tertuliano de terem praticado a vivissecção em
seres humanos, aproveitando-se de criminosos que haviam sido condenados à morte. Não há comprovação de que tal tenha ocorrido, embora ambos tenham feito vivissecção em animais. Após a queda da dinastia dos Ptolomeus, com Cleópatra, em 30 a.C., e o domínio do Egito pelo Império Romano, o esplendor de Alexandria entrou em lento declínio. No início do século II d.C., quando lá estudou Galeno, ainda era uma grande metrópole, com cerca de 500.000 habitantes. Sua grande biblioteca extinguiu-se consumida pelo fogo no século VII d.C., após a tomada de Alexandria pelos maometanos. O próximo passo no progresso dos conhecimentos neurológicos será dado por Galeno durante o século II d.C.
Fontes bibliográficas.

PEREIRA, M.H.R. – Estudos de história clássica. Vol. 1. Cultura grega, 5.ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979
MAJOR, R.H. - A history of medicine. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1954.
LAIGNEL-LAVASTINE (Org.) Histoire de la médecine, de la pharmacie, de l'art dentaire et de l'art vétérinaire. Paris, Albin Michel Ed., 1969.
DOBSON, J.F. – Herophilus de Alexandria. Proc. Royal Soc. Med.. March 18, 1925, p. 19-32.
DOBSON, J.F. – Erasistratus. Proc. Royal Soc. Med. Feb. 16, 1927, p. 825-832. CANFORA, L. A biblioteca desaparecida (trad.). Histórias da biblioteca de Alexandria. São Paulo, Ed. Schwarcz Ltda., 1989
Publicado no Boletim da Academia Brasileira de Neurologia, n. 2/2002
Joffre M. de Rezende
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
Membro das Sociedades Brasileira e Internacional de História da Medicina

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